expresso.ptJosé Miguel Júdice - 16 abr. 21:00

As Causas. Guerrinhas, trapalhadas, guerras

As Causas. Guerrinhas, trapalhadas, guerras

Fazer uma prova sem falhas na política é mais complicado do que na equitação: não basta não derrubar, é preciso que não haja perceção de que derrubou a barreira. É neste contexto que tem muito relevo político – que as oposições e os media estão naturalmente a exacerbar – o que se passou com a anunciada descida do IRS e as trapalhadas que se viram

O tiro no pé da medida da anunciada redução do IRS em 2024 (parte substancial vinha do Orçamento já aprovado) foi uma nuvem negra que caiu sobre um sucesso sem falhas do Governo no debate do seu programa na Assembleia da República.

Podem disso ser tiradas lições e até ilações, mas para tal convém ver as causas do evento.

Mas também se deve evitar tomar essa nuvem por Juno: nem a nuvem é Juno nem tudo o resto no Céu da Política é menos importante.

Mas além destas guerrinhas, há outra bem mais séria, entre o Irão e Israel.

PS E CHEGA SEM PRESSA

O debate do programa do Governo foi claramente considerado em todos quadrantes um sucesso para Luís Montenegro e para a estratégia por ele seguida.

Em resumo:

  1. Ficou demonstrado que nem o PS nem o CHEGA estão interessados em derrubar o Governo nos próximos meses e que querem ficar ligados às medidas populares que foram anunciadas;
  2. Parece agora mais provável que improvável que o Orçamento para 2025 seja aprovado;
  3. E em geral a narrativa que foi feita por LM, Hugo Soares e outros que intervieram da bancada de apoio ao Governo, é difícil de contrariar.

Mas mais relevante ainda, tudo parecia indicar que devido à onda habitual de apoio a quem acabou de ganhar, nas eleições da Madeira em 26 de maio e nas eleições Europeias de 9 de junho, o PS não vai sair vencedor.

Também por isso pareceu claro que PNS se está a resguardar para não abrir uma crise em cima de quatro derrotas eleitorais em 4 meses, ocorridas desde a de fevereiro nos Açores.

Parece, pois, muito provável que PNS queira ter nas autárquicas de 2025 (e nas presidenciais no início de 2026) vitórias que iniciem um novo ciclo. E que isso seja o seu objetivo estratégico essencial.

E do lado do CHEGA também ocorreram sinais curiosos:

  1. o mais relevante foi o voto contra as moções de rejeição do PCP e do BE, em vez da mera abstenção, como fez o PS, o que lhe permitiu mostrar nas televisões um voto em conjunto com PSD, CDS e IL;
  2. No mesmo sentido foi claríssima a vontade de aceitar as regras do jogo do parlamento, numa aparente mudança de paradigma comportamental que pode ser a preparação para negociar a aprovação do Orçamento daqui a 6 meses, forte com o crescimento nas eleições na Madeira e europeias;
  3. Tudo isto é feito, como é evidente, sem abdicar da luta com o PS pela liderança da oposição, o que é afinal também o que mais interessa nesta conjuntura ao PSD.

O que também já ficou evidente é que LM é muito bom no debate parlamentar e vai tirar partido de um modelo que beneficia sempre o Governo (como António Costa bem demonstrou durante 8 anos) e que se tornou mais favorável ainda.

De facto, o Governo passa a beneficiar:

  1. do apoio de dois grupos parlamentares (PSD e CDS),
  2. de alguma conivência de um terceiro (IL), e
  3. da guerra entre os radicais de esquerda e o PS e do PS com o CHEGA.

Se tudo se passasse apenas no hemiciclo parlamentar, seria seguramente tudo muito fácil para o Governo.

LEVANTAR VOO CONTRA O VENTO

Mas nada disto é suficiente para dar euforia ao Governo.

É verdade que a estratégia seguida foi inteligente: consolidar uma vitória eleitoral curta com um conjunto de medidas positivas que o PS e/ou o CHEGA não podem chumbar e que, pelo contrário, apesar da retórica que usarão para a luta entre ambos, querem dizer aos portugueses que viabilizaram.

Mas governar é, em regra, tomar decisões que não agradam a todos e até que podem ser essenciais apesar de desagradarem a muitos.

O estadista é como um avião: levanta voo contra o vento, gostava de dizer Vítor Cunha Rego. Quando chegar a altura desse tipo de situações, o Governo vai ter contra si 150 deputados, que de algum modo o cercam.

Mas há mais: as negociações com sindicatos da função pública provavelmente não vão ser fáceis, com o grau de exigências a não ser reduzido, sobretudo porque PS e CHEGA (para não falar dos micropartidos radicais de Esquerda) vão tudo fazer para que corra mal, designadamente soprando nas velas dos mais radicais para que no fundo os sindicatos se sintam obrigados a não ceder em nada.

Por isso, o sucesso do Governo vai exigir – como nas provas de equitação – a passagem dos obstáculos sem falhas, até porque é sabido que se o cavalo bater numa barreira pode cair, partir uma perna ou pelo menos perder tempo.

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IRS: UM TIRO NO PÉ

Em primeiro lugar, diga-se que é um disparate a linha seguida pelo PS e pelo CHEGA: o que ocorreu não foi um “embuste”, uma “fraude”, um “ludíbrio”.

É um erro tratar os adversários como se fossem mais estúpidos do que sejam, como se fossem completa e irremediavelmente idiotas: a AD/Governo seria tudo isso se pretendesse convencer-nos de que o IRS ia ser reduzido em 1,5 mil milhões de euros em 2024, em cima dos 1,3 mil milhões que resultaram do Orçamento para 2024 aprovado.

A ideia seria tão absurda que – curiosamente – nenhum partido da oposição fez campanha para a denunciar. E, pior para o Governo, seria desmontada daqui a dias por ele próprio quando forem anunciados os seus detalhes após a aprovação em Conselho de Ministros.

Creio que a IL foi quem se posicionou melhor no tema:

  1. No debate fez perguntas no sentido de afirmar que a baixa do IRS seria muito pequena;
  2. Afirmou que isto prova que não há um “choque fiscal”, mas apenas um “retoque fiscal”;
  3. Carlos Guimarães Pinto foi sereno e rigoroso: “tecnicamente” não há uma mentira, mas o PSD não comunicou bem.

A falta de clareza sobre o assunto gerou a perceção de que a AD e o Governo foram habilidosos.

E sem necessidade: teria sido muito fácil a LM dizer no debate do programa de Governo que a redução no Orçamento para 2024 foi a resposta insuficiente ao que o PSD tinha antes proposto e agora se completava com aquilo que o Governo PS recusara.

Contra isso não adianta muito que Miranda Sarmento em 15 de dezembro de 2023 tenha afirmado sobre as medidas fiscais que iriam ser implementadas que “não lhe chamaria choque fiscal. Propusemos uma redução de IRS significativa para 2023 e 2024, o Governo acabou por baixar o IRS em 2024. Nós continuaremos a defender a descida do IRC da taxa de 21% para um valor próximo dos 15% ao longo da legislatura. Iremos olhar para o nosso cenário orçamental e macroeconómico, que está a ser construído, e ver o que ainda é possível reduzir além do IRC, sobretudo em matéria de IRS”.

Mas pior do que isso, o Expresso (cuja redação está livre do pecado de não ser tendencialmente de Esquerda) passou de modo inequívoco à oposição, como resulta do comunicado que divulgou: sentiu-se enganado pelo Governo quanto à sua manchete de sábado: “Montenegro duplica descida do IRS até ao Verão”.

Essa evolução do Expresso é muito má para o Governo, que não precisa que as fileiras da oposição engrossem.

GOVERNAR: COMEÇAR É DIFICIL

Por trás deste acontecimento está um facto: ninguém no gabinete do Ministro das Finanças saberia o que responder quando o Expresso tentou perceber melhor e perguntou.

Não sei o que se passou, mas imagino: o Ministro foi nomeado em 28 de março ao fim do dia, tomou posse em 2 de abril, teve de escolher secretários de Estado que tomaram posse em 5 de abril, teve de preparar com eles o programa de Governo que foi divulgado no dia 10 de abril e debatido nos dois dias seguintes.

Ou seja, desde que soube que ia ser ministro até à apresentação do programa de governo, Miranda Sarmento teve 8 dias úteis. Nunca fora ministro, nunca formara um gabinete, seguramente nem sequer sondara ninguém para o integrar, não sabia quem podia aproveitar do gabinete de Medina e, evidentemente, não teve tempo para se preparar para as exigências dos contactos dos media.

E a nível do Primeiro-Ministro tudo deverá ter sido semelhante, mas seguramente que ninguém pensou e ainda menos organizou uma estratégia de comunicação.

É que o artigo 192 de Constituição exige que o programa de governo seja “submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro no prazo máximo de 10 dias após a sua nomeação”.

Assim as coisas, o que admira é que apenas tenha ocorrido uma trapalhada.

Significa isto que o cavalo do Governo partiu uma perna? Ou que caiu no chão? Não. Mas sem dúvida que tropeçou num obstáculo e perdeu tempo.

Até porque há uma regra inevitável na política: quando é preciso uma hora para tentar explicar o que precisou apenas de uns minutos para ser dito, dificilmente nasce uma vitória política para quem (tenta) explicar.

IRÃO-ISRAEL: COMO EVITAR A GUERRA?

Entretanto entre o Irão e Israel pode ir acontecer uma escalada militar. Adeptos de Israel nos EUA, como John Bolton (Embaixador na ONU com Bush filho e Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, com quem se incompatibilizou), defendem que se apliquem as regras da “deterrence” (“dissuasão”) e que por isso Israel ataque o Irão com mais intensidade, propondo a destruição da sua produção nuclear.

Pode não ser assim, muito gente – desde logo Biden, com todo o poder e influência que os EUA têm sobre Israel – vai lutar contra uma reação excessiva de Israel.

O Irão não foi apoiado por nenhum País no ataque e o atual statu quo favorece Israel. A solução racional é para Israel não reagir militarmente.

Mas infelizmente a lógica dos conflitos entre países assemelha-se mais aos combates juvenis da minha infância (e dizem-me que ainda hoje…) do que a ações racionais, ponderadas e prudentes.

Não posso negar que estou preocupado. Mas espero estar a ser demasiado pessimista.

O ELOGIO

Ouvi Carlos Guimarães Pinto, o ideólogo da IL, resumir há dias a história da sua vida adulta: tem 40 anos, licenciou-se em 2006, sofreu de imediato a crise do “subprime” (2007), do Lehman Brothers e do sistema financeiro mundial (2008), a crise das dívidas soberanas (2009-2010), a troika em Portugal (2011- 2014), a Covid (2020-2021), os efeitos da guerra na Ucrânia (desde 2022).

O elogio é para a geração dele, que conheço bem até por ter um filho com 38 anos, que luta há quase 20 anos para sobreviver em sucessivas conjunturas que nenhumas das gerações que começaram a sua vida adulta depois do 25 de abril jamais enfrentara.

O tema explica muita coisa e merece uma reflexão, a que provavelmente voltarei.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Daqui a menos de 10 dias perfazem-se 50 anos sobre a queda da Ditadura.

Por isso também, hoje sugiro a leitura de “Guiné – Os oficiais milicianos e o 25 de Abril” (Âncora) e “Abril pelas Direitas – Foi bonita a festa, pá?” (5livros).

Sem os milicianos na Guiné e sem Spínola não teria havido o 25 de abril que conhecemos e, quem sabe, poderia a queda do regime ter sido adiada ou diferente. Os depoimentos reunidos merecem leitura.

O outro livro é de dois intelectuais/políticos do Porto, um eleito pelas listas de Rui Moreira para a Assembleia Municipal e o outro dirigente local do CHEGA e tem prefácio de um professor de Filosofia em Coimbra, assumidamente de Direita, e reúne depoimentos de personalidades que são críticos ou céticos em relação ao PREC ou até ao próprio 25 de abril.

São ambas obras que não repetem o (pouco, infelizmente) que os portugueses sabem desse momento crucial da nossa História.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O ECO revelou a entrada em vigor da portaria 128/2024/1, de 2 de abril, que obriga a aumentar em 7,89% a retribuição mínima a mais de 104 mil trabalhadores do setor privado e social, com efeitos a 1 de março deste ano, em 11 níveis salariais que alcança os diretores de serviço.

Segundo o ECO, são trabalhadores da limpeza, vigilantes, telefonistas, auxiliares, técnicos administrativos e de secretariado, técnicos de contabilidade, de apoio jurídico, de informática ou de recursos humanos que não estão abrangidos por instrumentos de contratação coletiva.

Quem o não fizer pode ser condenado a pagar uma coima que no limite pode chegar a 10 000 euros e não se prevê causa de exclusão da sua aplicação, nomeadamente, por razões de incapacidade financeira das entidades empregadoras.

A pergunta é para o ex-Primeiro-Ministro António Costa: será que assim se apoia o emprego nas PME e no setor social? E faz sentido fazer publicar a Portaria no dia da posse do novo governo?

A LOUCURA MANSA

Há dias o Presidente da República foi dar uma aula sobre o 25 de abril no Liceu Camões a centenas de alunos.

Alguns meninos ambientalistas radicais interromperam o Presidente que, forrado de paciência, os tratou com respeito e bonomia. Um dos meninos convidou todos a saírem com eles, que eram – como revelaram as televisões - pouco mais de cinco. Não saiu ninguém.

A loucura não é este tipo de manifestação (ao menos não partiram nada nem lançaram tinta sobre ninguém), mas que não percebam ou não queiram perceber que assim só ajudam o que se revelou no voto jovem nas eleições de março.

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