expresso.ptRicardo Costa - 17 abr. 07:00

Para além da retórica: a necessidade de um estatuto inclusivo para o trabalho no lar

Para além da retórica: a necessidade de um estatuto inclusivo para o trabalho no lar

Ser mãe, ou simplesmente ser alguém que cuida da casa, é, indubitavelmente, uma profissão. Somos rápidos em apontar o dedo ao que consideramos errado, mas hesitamos em reconhecer o potencial de mudança positiva

O Movimento Acção Ética, sob a égide de figuras da direita conservadora como Paulo Otero e Bagão Félix — dois dos coordenadores da obra "Identidade e Família", apresentada a semana passada por Pedro Passos Coelho, propõe para o próximo mês um estatuto revolucionário destinado às "mulheres donas de casa".

A medida visa conferir um rendimento às mulheres que optaram por deixar de lado a carreira profissional para se dedicarem exclusivamente ao lar e à família, numa tentativa de oferecer proteção e independência financeira. Contudo, quando questionado sobre se os homens poderiam beneficiar do mesmo estatuto, Paulo Otero insinuou que certas tarefas são prerrogativas femininas. "Há coisas que só as mulheres podem fazer", afirmou, talvez se esquecendo de que estamos no século XXI.

Em Portugal, infelizmente temos a tentação de nos focarmos no que é negativo, e parece que reiterar o que de mau disse Paulo Otero se tornou o passatempo nacional do momento.

Sim, é certo que isso não se deve aplicar apenas às mulheres; não podemos deixar que as más interpretações dominem.

Mas, podemos concentrar-nos no potencial positivo desta medida?

Propor um estatuto inclusivo para donas e donos de casa é uma excelente medida.

São profissões nas quais muitas mulheres e, porque não, homens ficam dependentes dos rendimentos de outras pessoas do agregado familiar para realizar tarefas que, na verdade, competem a todos os membros.

Quantas mulheres abdicaram de uma carreira para, no fundo, seguir outra, como cuidar de um filho ou um familiar?

Não se trata de um papel de submissão, mas sim de uma escolha.

Por vezes, nem sequer é uma escolha, mas não seria benéfico estarem sob um regime e proteção de uma lei?

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Ao invés de perpetuar a divisão por género, talvez devêssemos focar em como essa medida pode beneficiar todos aqueles que fazem do lar o seu local de trabalho.

Não se trata apenas de reconhecer o papel tradicional da mulher, mas sim de valorizar uma função essencial para a sociedade como um todo.

Estamos com uma arma apontada ao detalhe de ter dito que era unicamente para as mulheres, e esquecemo-nos da caneta para escrever uma medida que será talvez um dos maiores avanços nos direitos e liberdades das mulheres e dos homens. Foi uma péssima forma de expressar, mas uma ótima medida a adotar.

No final das contas, a implementação de um estatuto revolucionário para donas e donos de casa pode vir a ser um marco histórico na forma como valorizamos o trabalho doméstico em Portugal.

A discussão não deve centrar-se apenas na retórica, mas no impacto substancial que tal medida teria na dignificação do trabalho no lar, promovendo a igualdade e o reconhecimento em uma sociedade que ainda carrega estereótipos obsoletos.

É tempo de abraçarmos uma visão progressista que reconheça e compense justamente todos que dedicam as suas vidas ao cuidado da família e do lar.

Reconhecer e valorizar essa escolha não apenas fortalece as bases de uma sociedade mais justa e equitativa, mas também promove um futuro onde o respeito e o apoio mútuo são os pilares fundamentais.

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