www.publico.pt[email protected] - 18 abr. 13:02

Estamos a adoecer as nossas crianças e a hipotecar o futuro da Humanidade

Estamos a adoecer as nossas crianças e a hipotecar o futuro da Humanidade

É importante que os pais reconheçam os desafios e as pressões da sociedade atual e trabalhem para encontrar um equilíbrio saudável.

Não é minha intenção culpar os pais individualmente, mas chamar a atenção para os padrões preocupantes que permeiam cada vez mais a nossa sociedade e que afetam profundamente o desenvolvimento e bem-estar das crianças. Vejamos: desde que nascem, os bebés passam por um conjunto de privações pouco saudáveis. Queremos que durmam sozinhos para não se habituarem a depender dos adultos, tornando-os em futuros adultos dependentes e bastante inseguros. Isso pode ser exemplificado pelo método "cry it out" em que os bebés são deixados sozinhos para adormecerem sem a intervenção dos pais, o que pode afetar o seu desenvolvimento emocional e criar inseguranças.

Mais tarde, quando as birras ocorrem, muitas vezes as crianças não são acompanhadas emocionalmente, pois acreditamos que estão a tentar manipular-nos e, por isso, devemos ser duros com elas. Isso é evidente quando os pais não reconhecem as emoções das crianças e respondem de forma punitiva, em vez de tentarem compreender e acalmá-las. Podemos ver isso em ação quando os pais recorrem excessivamente ao uso de dispositivos eletrónicos para entreter seus filhos desde tenra idade. Este hábito pode prejudicar significativamente o desenvolvimento cognitivo e social das crianças, expondo-as a uma quantidade excessiva de estímulos sensoriais, viciando-as em dopamina e interferindo na interação face a face com os cuidadores e outras crianças.

Impedimo-los de brincar porque as notas na escola são tudo, e a escola é um full-time job que implica horas e horas de vida sedentária, aprendendo com técnicas de há cem anos, perfeitamente desajustadas ao que queremos que os nossos filhos venham a ter enquanto futuro. Isso pode ser exemplificado pela pressão académica excessiva que limita o tempo que as crianças têm para brincar e explorar, o que é crucial para o seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. Com isso, limitamos o tempo que passam com os pais numa relação que deveria ser reguladora e sã emocionalmente para criar os alicerces da sua personalidade. A falta de tempo de qualidade com os pais pode contribuir para a falta de segurança emocional e afetiva das crianças, impactando negativamente o desenvolvimento da sua identidade e autoestima.

Temos medo dos estranhos, mas desde cedo os deixamos ao cuidado de estranhos: educadores, professores, etc., que os influenciam profundamente e nem sempre estão num lugar privilegiado de amor e compreensão. Isso pode ser observado na sociedade moderna, onde muitas crianças passam mais tempo com pessoas fora da família do que com os próprios pais, o que pode levar a uma desconexão emocional e falta de apoio familiar.

O aumento significativo nos diagnósticos de transtorno de défice de atenção e hiperactividade e autismo levanta questões sobre a validade dos critérios de diagnóstico e a influência de fatores sociais e culturais. Uma sociedade que valoriza a conformidade e o desempenho académico pode estar propensa a rotular comportamentos considerados desviantes como sintomas de transtornos neurológicos, em vez de reconhecer a diversidade natural do desenvolvimento infantil. O acesso limitado a avaliações adequadas e intervenções educacionais individualizadas também pode contribuir para diagnósticos excessivos.

O excesso de medicamentos administrados às crianças reflete também em si uma série de influências sociais e familiares. A pressão para que elas atinjam certos padrões comportamentais, juntamente com a busca por soluções rápidas para problemas de comportamento e aprendizagem, contribui para essa tendência alarmante. Num contexto em que se valoriza intensamente o desempenho académico e os recursos de saúde mental são escassos, a medicação muitas vezes é vista como uma solução fácil para questões complexas. Contudo, esta prática pode acarretar consequências sérias e de longo prazo para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das crianças.

Não estou, com estes desabafos, a culpabilizar os pais, mas a pedir que se ganhe consciência do quão mal estamos a fazer às nossas crianças para que possa ser possível começarmos a pensar em formas mais saudáveis de as educar. É importante que os pais reconheçam os desafios e as pressões da sociedade atual e trabalhem para encontrar um equilíbrio saudável entre as necessidades das crianças e as demandas do mundo moderno, promovendo um ambiente que seja seguro, amoroso e nutritivo para o desenvolvimento integral das crianças.

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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