expresso.ptAscenso Simões - 18 abr. 07:02

Uma revolução sempre por cumprir

Uma revolução sempre por cumprir

Os portugueses têm melhores condições de vida, a comunidade tem recursos como nunca teve ao longo da sua história. Mas terá Portugal crescido de forma “espiritual”? A minha resposta é pouco simpática

Há duas perguntas que estarão na cabeça de muitos portugueses por estes dias – ainda faz sentido comemorar o 25 de abril de 1974? Não deveríamos deixar a data nos anais da História e permitirmos que ela se consolide como passado?

Sim, para mim faz todo o sentido comemorar Abril e tudo o que representa. Não porque queira atualizar a mensagem, não porque entenda que que a memória nos vai traindo, mas porque comemorar a Revolução é assumir que este nosso país, de quase nove séculos, só consagrou dignidade e futuro, alargados a todos os que nele viveram e vivem, durante este último meio século.

O Movimento das Forças Armadas, no seu manifesto primeiro, consagrou uma mensagem agregada a três palavras – Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Porém, tal trilogia não advém do pensamento de um qualquer militar, não nasce sequer na preparação do golpe.

Em 1973, aquando do último Congresso da Oposição Democrática, Maria Emília Brederode dos Santos leva aos trabalhos uma tese de Medeiros Ferreira, então exilado, em que as marcas de um programa de libertação do país deveriam ser assentes nos três D’s. E foi a partir daí que o caminho se fez. Portugal é hoje um país completamente diferente que nem mesmo os mais reacionários, ultramontanos e tradicionalistas podem contestar.

Mas deveremos viver do conseguido e esquecer os grandes desafios que nos são colocados? A resposta é fácil e as últimas eleições deixaram todos alertas que importa não desvalorizar.

A democratização do país foi o D que mais se conseguiu cumprir. Vencidos os primeiros anos de instabilidade, quer os provocados pelos movimentos saudosistas quer os incitados pela esquerda radical, o país é hoje, sob o ponto de vista formal, uma democracia adulta.

Mas não podemos estar satisfeitos com o caminho das últimas duas décadas. O poder infantilizou-se, a informalidade progrediu, o centralismo regressou em força, a corrupção moral parece ser uma chaga que teima em queimar a bondade da política.

Teos um grave problema na Justiça que ninguém quer ajudar a resolver. .

A geração que fez o 25 de Abril queria, em abstrato, democracia e liberdade, mas estava profundamente marcada pelo Portugal pequenino, pelo respeitinho, pela estratificação social. A geração que já viveu a maior parte da vida em democracia continuou limitada na sua capacidade de ver o mundo, no mero ato de reivindicar, na destreza para a organização produtiva, na inaptidão para a melhor gestão dos recursos. Ao contrário do que os políticos de serviço dizem, a pouca produtividade da nossa economia não advém do excesso de impostos, resulta de uma estrutura empresarial com pouca capacidade de gestão, com pouca visão externa, com insuficiente dimensão para ganhar mercados.

Estamos agora num tempo novo. A geração do digital não quer saber dos bloqueios mentais das anteriores gerações, detesta as limitações que pais e avós lhes querem impor. Se conversarmos, de forma intimista, com muitos dos jovens que estão a sair do país, eles vão dizer-nos que não suportam a falta de abertura da família, a falta de interação nas conversas, a falta de ambição, a falta de futuro. Eles não querem que os pais se metam nas suas ocupações, não querem que as vizinhas velhas murmurem sobre a roupa que vestem e os seus cortes de cabelo, não querem ter de justificar as suas relações amorosas. As famílias destes jovens, que querem cidade e mundo, só lhes oferecem “aldeia”, tristeza e passado. Mesmo que os baixos salários e os problemas de habitação sejam problemas relevantíssimos e também ajudem numa justificação a dar…

Eu acredito muito no 25 de Abril que esta última geração vai querer cumprir. Será o que fará de Portugal um ser universal, o que vai levar-nos a ser um país da frente no espaço europeu, o que vai retirar-nos da mentalidade salazarista que ainda nos impede um olhar claro sobre o mundo.

Por isso digo: viva o 25 de Abril e vivam os 25 de Abril cheios de futuro que virão.

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