eco.sapo.pteco.sapo.pt - 25 abr. 09:27

Meio século depois da Revolução, autarcas dizem que falta a regionalização

Meio século depois da Revolução, autarcas dizem que falta a regionalização

Meio século após o 25 de Abril, os autarcas com os quais o ECO/Local Online falou são unânimes em afirmar que falta a regionalização no país e lembram as conquistas que a Revolução dos Cravos trouxe.

O presidente da Câmara Municipal de Loulé tinha 18 anos quando, em 1976 e pela primeira vez na história do país, os portugueses foram às urnas escolher os representantes autárquicos. “Esta foi uma das grandes vitórias do 25 de Abril: uma rutura em relação a um passado em que os responsáveis locais eram nomeados e passaram a ser eleitos. É uma diferença tremenda”, apesar dos “conturbados tempos [que se seguiram], porque era um poder autárquico sem grandes meios para poder resolver problemas concretos das pessoas”, lembra Vítor Aleixo. Meio século depois, diz que falta a regionalização.

Passando em revista a Revolução dos Cravos, o socialista Vítor Aleixo recorda o “papel ativo” que teve, durante a sua juventude, nas primeiras eleições autárquicas no concelho de Loulé que agora preside. Chegou a participar ativamente no movimento estudantil democrático e lembra-se bem do quanto a instituição do poder autárquico gerou “toda uma revolução jurídica, política e institucional” que trouxe grandes mudanças ao país.

Presidente da Câmara Municipal de Loulé, Vítor Aleixo

Uma das grandes conquistas dos portugueses foi terem “uma voz ativa nas decisões que lhes dizem respeito e com impactos fortíssimos na transformação de um país estagnado em resultado de quase meio século de fascismo“, assinala, por sua vez, o presidente da câmara de Setúbal (CDU), André Martins. “O primeiro grande impacto foram, de facto, as eleições de 1976, com uma participação de 65% do eleitorado. Foram eleitos 304 presidentes de câmara, 5.135 deputados municipais e cerca de 26 mil deputados para as assembleias de freguesia. Nunca tal se tinha visto em Portugal”, recorda.

A Revolução dos Cravos plantou gradualmente conquistas de necessidades tão básicas nos dias de hoje “como o abastecimento de água e de eletricidade que, antes do 25 de Abril, eram um luxo para muitas populações, e que logo a seguir começaram a chegar a praticamente todo o lado”, enumera André Martins. Depois, lembra, “deu-se um salto notável na erradicação de barracas, na construção de uma vida melhor e mais digna para todos que só o 25 de Abril permitiu”.

O primeiro grande impacto foram, de facto, as eleições de 1976, com uma participação de 65% do eleitorado. Foram eleitos 304 presidentes de câmara, 5.135 deputados municipais e cerca de 26 mil deputados para as assembleias de freguesia. Nunca tal se tinha visto em Portugal.

André Martins

Presidente da Câmara Municipal de Setúbal

Livre do regime ditatorial do Estado Novo, liderado por António Oliveira Salazar, o país ainda enfrentava carências ao nível de infraestruturas essenciais à qualidade de vida. “Parte das cidades e vilas ainda não tinha iluminação pública ou água e rede de tratamento de esgotos; para não falar do problema das estradas”, descreve, por sua vez, o edil de Loulé.

Vivia-se uma dura realidade. “Nesse período faltava tudo e nada havia. Não há comparação possível com tudo o que se construiu ao longo dos últimos 50 anos – grande parte pelo poder local democrático”, sublinha o autarca de Grândola, António Figueira Mendes.

“Salvo as grandes cidades e sedes de concelho, no restante território quase tudo estava por fazer”, concorda o presidente da Câmara de Alcácer do Sal (CDU), Vítor Proença. O 25 de Abril foi como que um balão de oxigénio. “Proporcionou meios aos movimentos de moradores e ao novo poder local democrático para que recuperassem imensos atrasos que as populações e o país tinham”, conta o autarca que viveu “intensamente” esse período. “Foram momentos de muita alegria em que as pessoas viam o trabalho e a obra a surgir diariamente”, lembra Vítor Proença.

Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins

Também o presidente da câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, considera que o “25 de Abril de 1974 representou um marco crucial na história de Portugal, trazendo consigo importantes mudanças para o poder autárquico”. Até porque, explana o edil social-democrata, “as autarquias locais estavam sujeitas a um controlo rígido por parte do Governo central, com pouca autonomia para tomar decisões que refletissem as necessidades e aspirações das comunidades locais”.

A Revolução dos Cravos abriu, assim, caminho a uma “democratização do sistema político e uma descentralização do poder, permitindo que as autarquias locais fossem eleitas democraticamente e ganhassem uma maior autonomia na gestão dos seus assuntos”, sustenta Ricardo Gonçalves. E, por consequência, trilhou o percurso para “uma participação mais ativa dos cidadãos na vida política local e uma maior proximidade entre os decisores políticos e a população”.

Nos dias de hoje é possível assistir ao impacto do 25 de Abril de Norte a Sul do país. “Em Santarém, como em muitas outras cidades de Portugal, o 25 de Abril trouxe uma nova era de desenvolvimento e progresso, com a implementação de políticas e projetos adaptados às necessidades específicas da comunidade”, assinala o edil em declarações ao ECO/Local Online.

Santarém Presidente da Câmara Municipal de Santarém, Ricardo Gonçalves

“Ao longo do tempo foram atribuídas às câmaras municipais e às juntas de freguesia novas responsabilidades e competências, como a educação, a saúde, a cultura, o ambiente, entre outras; o que permitiu uma gestão mais eficiente e adaptada às necessidades específicas de cada comunidade”, destaca.

Meio século depois da revolução, o que faltava “cumprir de Abril”

Apesar de grandes melhorias e vitórias na sociedade e na política, meio século depois do 25 de Abril, “temos tido medo de assumir a regionalização”; existe uma certa “resistência” por vezes associada ao “mito” de que “se trataria de criar mais tachos e abriria a porta ainda mais corrupção”, aponta o autarca socialista de Loulé. Vítor Aleixo frisa mesmo que os “defensores acérrimos do centralismo não reconhecem que Portugal é de média dimensão na Europa, com diferenças regionais físicas, sociais e económicas que justificaria plenamente uma regionalização, porque seria um catalisador de desenvolvimento do país”.

Ainda assim, o edil do município algarvio considera que o modelo atual das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) “prepara o país para uma gradual regionalização”.

Temos tido medo de assumir a regionalização.

Vítor Aleixo

Presidente da Câmara Municipal de Loulé

A regionalização também acolhe votos junto do autarca de Setúbal que defende ser “um passo essencial que falta dar para aproximar mais o poder de decisão das pessoas, para lhes dar maior possibilidade de participação a nível local, bem como uma nova lei das Finanças Locais mais justa e adequada a esta capacidade das autarquias”.

André Martins considera que o poder continua muito centralizado e “tarda em reconhecer a forte capacidade de realização das autarquias”. Mesmo assim, sublinha, “os autarcas estão sempre dispostos a ter mais responsabilidades; mas o que não podem aceitar são descentralizações de competências que mais não são do que o alijar de responsabilidades do poder Central, e, o que é pior, sem as necessárias transferências financeiras para arcar com novas responsabilidades, como aconteceu nas áreas da educação e da saúde”.

O presidente da câmara de Setúbal lamenta ainda os “retrocessos” a que se tem assistido em áreas tão fundamentais como a habitação, “muito em resultado da ausência de políticas coerentes que acabam por deixar nos braços das autarquias a resolução de problemas em que não têm competências para tal, e muito menos os recursos necessários”.

Também o autarca de Santarém elenca como prioritárias a defesa da descentralização de competências e “a eventual regionalização do país“, além da modernização administrativa e transparência dos recursos públicos. “A prestação de contas é fundamental para manter a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas“, assinala Ricardo Gonçalves.

A prestação de contas é fundamental para manter a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.

Ricardo Gonçalves

Presidente da Câmara Municipal de Santarém

Aproximar o poder das pessoas e garantir uma gestão mais próxima e adaptada às especificidades locais, com vista a “fortalecer o poder autárquico e promover um desenvolvimento mais equitativo e sustentável”, é outro dos ideais a conquistar. “É imperativo garantir que todos os cidadãos se envolvam na gestão e nas decisões que afetam as suas vidas e comunidades“, defende o autarca social-democrata.

Também o presidente da câmara de Grândola, António Figueira Mendes, lamenta que “Portugal continue a adiar uma solução regional, prejudicando deste modo o país, as suas populações e em particular o Alentejo”. Continua, por isso, “a faltar a criação das regiões administrativas – o pilar intermédio que falta no triângulo do poder Constitucional e que fará a ligação entre os dois níveis de administração pública já existentes: a Administração Central e a Administração Municipal”.

Presidente do município de Grândola, António Figueira Mendes

Igualmente o autarca de Alcácer do Sal é da opinião de que “a transferência de competências foi uma transferência de encargos; não é uma qualquer regionalização tal como a Constituição estabelece”. Para Vítor Proença é “imprescindível criar regiões com órgãos eleitos e em que os recursos financeiros sejam oriundos dos valores elevadíssimos que o Orçamento de Estado suporta hoje com a Administração indireta do Estado (CCDR, Autoridades de Gestão, antigas Direções Regionais, entre outras)”.

Aliás, reitera o edil de Alcácer do Sal, “com a criação de regiões podia haver muito melhor planeamento nos investimentos de cada território e o combate a muita insuficiência e desperdício”. Vítor Proença elenca, por fim, a necessidade de mais recursos financeiros para o poder local, dado que a vida provou que as autarquias têm muito mais poder de investimento e concretização que o poder Central e continuam a trabalhar em subfinanciamento“.

Presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, Vítor Proença
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