expresso.ptJosé Miguel Júdice - 30 abr. 21:00

As Causas. O pior Presidente da democracia

As Causas. O pior Presidente da democracia

Quando há pouco mais de 8 anos ele [Marcelo] foi eleito Presidente da República eu admitia que poderia vir a ser o melhor presidente da 3ª República (tinha tudo para isso), mas cedo comecei a pensar e depois a dizer que ele estava a falhar demasiado. Agora, com pena o digo, não tenho qualquer dúvida que vai ficar na História como o pior presidente de todos

Num jantar com jornalistas estrangeiros, na passada 3ª feira, o Presidente da República soltou como nunca o Marcelo que há dentro dele e, em minha opinião, passou um Rubicão de que dificilmente poderá haver regresso.

Quando há pouco mais de 8 anos ele foi eleito Presidente da República eu admitia que poderia vir a ser o melhor presidente da 3ª República (tinha tudo para isso), mas cedo comecei a pensar e depois a dizer que ele estava a falhar demasiado.

Agora, com pena o digo, não tenho qualquer dúvida que vai ficar na História como o pior presidente de todos. Tenho pena, porque tinha qualidades raras que lhe permitiriam vencer esse campeonato, para ele importante. Mas foram os seus defeitos que afinal ganharam.

E o que se passou no tal jantar é exemplar e merece, por isso, ser analisado com detalhe.

O “DIA MAIS INFELIZ” EM 8 ANOS

Lembremos: numa intervenção que não disse ser off the record (e que por isso poderia ser citada), e que terá durado 4 horas (!), o Presidente da República fez entre outras as seguintes declarações, para que o Mundo ficasse a saber:

a) Cortou relações com o filho, que acusou (ou deixou que parecesse fazê-lo) de tráfico de influência no caso das gémeas e já antes disso de comportamentos abusivos;

b) Revelou aos outros três netos (e ao Mundo) que o mais velho é o preferido;

c) Usou um estereotipo racista clássico em relação a António Costa, não por ser racista, mas devido à (incontrolada) pulsão antiga de Marcelo para se divertir à custa dos outros;

d) Usou um estereotipo de mau elitismo e “racismo social” em relação a Luis Montenegro, também para se divertir;

e) Responsabilizou a Procuradora Geral da República de ter um comportamento maquiavélico, o que significa que ela utilizara os poderes de investigação criminal em abuso de poder;

f) Sem nenhuma articulação com o Governo, defendeu reparações financeiras pela escravatura e pelo colonialismo a serem pagas pelas atuais gerações, afinal as que se mobilizaram a favor de fim da guerra colonial.

Mesmo para quem conheça muito bem há décadas Marcelo (era célebre a frase de que ninguém deveria sair de um jantar de amigos antes dele, pois seria de imediato a sua vítima em ferozes piadas), isto ultrapassa tudo o que seria admissível. Como afirmou Clara Ferreira Alves, “ele era muito mais inteligente e diplomático do que isto”.

Não admira, pois, o que ouvi e li dizer sobre ele. Como um exemplo, António Capucho disse que as suas palavras foram “deploráveis, disparatadas e lamentáveis”.

Ou, também como exemplo, Teresa de Sousa diz que o que afirmou sobre reparações só não é mais grave porque “já não se dá assim tanto valor ao que ele diz”. E Vitalino Canas fez dezenas de perguntas sobre o tema das reparações que revelam a leviandade do Presidente.

Ainda quanto às reparações leia-se o que escreveu António Barreto, domingo no Público. Marcelo sabe que Barreto tem razão, seguramente concorda com ele, mas nada disso o demoveu ou demoveria do que revelou ao Mundo.

Do BE, LIVRE e PAN (o Presidente devia “retratar-se” do que disse de primeiros ministros) ao CHEGA (“traição à Pátria”) foi unânime a reação dos partidos (PSD e PS optaram pelo silêncio, mas espumaram como sei que é óbvio).

Conseguir – ainda que por motivos diversos – a unanimidade contra si de todo o espetro político, é obra. Ouvir Marques Mendes – o

comentador, fiel entre os fiéis, que sempre o amparou ou ajudou - a dizer na noite de domingo que o PR “teve o dia mais infeliz do seu mandato” e que foi “deselegante”, devia levá-lo a pedir desculpa, não direi ao Mundo a quem se dirigiu, mas aos portugueses e neles a Costa e a Montenegro.

Com mais de 50 anos de vida pública e nos “media” não há em Portugal ninguém mais experiente do que Marcelo sobre efeitos das (suas) palavras.

Mas sempre há alguém que lhe deve agradecer e que Marcelo fez feliz: deu o maior bónus de sempre ao CHEGA para as eleições de 27 de maio e 9 de junho.

Claro que Ventura não se fez rogado e para começar já avançou com um voto de condenação do Presidente na Assembleia República e chamando o Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Mas por que razão Marcelo fez o que fez?

MAS PORQUÊ, MARCELO?

Realmente tem de haver uma explicação para o que se passou há uma semana e o que se seguiu (não cumprimentar a Procuradora no 25 de abril, negar que a tivesse chamado mefistofélica, baralhar o tema das reparações).

Uma explicação possível (Helena Matos referiu-o no domingo) é que Marcelo decidiu criar um facto político. Com isso quereria talvez gerar problemas a todos os partidos, fortalecer mais o CHEGA e obrigar PS e PSD a entenderem-se.

Pode ter sido, mas seria um sinal de que o melhor analista político de sempre perdera (todas) as qualidades. E, para isso, escusava aliás de partilhar com o Mundo o que pensa do filho e do neto.

Uma explicação talvez mais plausível, e que ouvi a alguns, é que entrou numa fase niilista, sente o terreno a fugir debaixo dos pés quanto à sua imagem futura, e não quer ir sozinho para o buraco. É como se revisitássemos o “banqueiro anarquista”. Não acredito nesta tese, que acho demasiada rebuscada.

Poderá ter sido “apenas” um exemplo de leviandade, o entusiasmo de agradar, de estar em evidência, uma infantilidade de velho. Mas isto é demasiado grave para eu admitir sequer essa leitura, sem razões adicionais que expliquem tão grande insensatez.

Talvez por isso acho que estão certos muitos (até pessoas próximas dele desde sempre) que afirmam que isto resulta de Marcelo estar desnorteado, doente, isolado e infeliz, e de ter perdido os filtros que uma mente saudável permite ter sempre alertas.

Infelizmente esta tese é provável que tenha um fundo de verdade. Conviria para sossego de todos que o tema da saúde do Presidente fosse clarificado de modo transparente.

Se for verdade que está doente, terá a solidariedade de todos nós, como é evidente. Mas, se está saudável, deve aos portugueses um pedido de desculpas por nos ter envergonhado como povo.

Seja como for, algo tem de ser explicado.

É que, como veremos já a seguir, será uma tragédia para o País que durante os próximos 2 anos estejamos afetados pela incerteza e sujeitos a repetições sucessivas de “dias mais infelizes do seu mandato”.

OS PERIGOS ATÉ 2026

A situação política portuguesa é realmente muito difícil e complicada, por razões totalmente óbvias. Entre elas:

a) Não há maioria de apoio a este Governo nem haverá para nenhum que resulte de eleições antecipadas;

b) O grau de exigência de grupos sociais está a ser acentuado fortemente pela composição partidária podendo tornar ingerível o sistema político;

c) A cena internacional é muito complexa, não sendo de excluir o alastramento de guerras na Europa e no Médio Oriente, e riscos sérios no Mar da China;

d) É mais provável do que improvável uma grave recessão internacional nos próximos anos;

e) A crise climática e os fluxos migratórios vão colocar enorme tensão na Europa;

f) A possível vitória de Trump nos EUA vai reforçar o isolacionismo e uma política de esferas de influência a nível mundial que afetará o Leste Europeu, até à Alemanha.

Com esta realidade, o papel do Presidente da República seria mais essencial do que nunca.

Mas para o poder exercer em plenitude, seria necessário que tivesse força moral, prestígio público, respeitabilidade e auctoritas, consistência estratégica, energia tática e capacidade de influenciar.

A degradação da função presidencial - que o discurso aos jornalistas estrangeiros revela - destrói tudo isso, afeta a função presidencial numa conjuntura que bem precisava dela num elevado grau.

Como é óbvio, a cumplicidade com António Costa (que o comentário feito demonstra que não se mantém) não ia ser repetida com Luis Montenegro, por razões a que voltarei no futuro.

Mas a própria solidariedade institucional vai ser muitíssimo afetada, pois ficou claro que – talvez invejoso da ligação a Cavaco Silva – não disfarçou que não gosta de Montenegro e humilhou-o publicamente.

De facto, traindo 45 anos depois a sua pulsão de 1978 contra Sá Carneiro (que este percebeu e lhe não perdoou), colou ao Primeiro Ministro a imagem de “caipira”, “saloio”, “rústico”, sugerindo ter uma superioridade de “citadino” que não é por ser ridícula que é menos desagradável.

O mal está feito, e Marcelo vai estar em Belém mais dois anos. Temo que tudo apenas piore. Mas se usar a sua deslumbrante inteligência e se ouvir alguns amigos, talvez ele consiga recuperar e evitar mais tragédias.

Por ele e por nós, Deus queira que seja possível.

O ELOGIO

A Sebastião Bugalho, porque sim e porque não.

Por um lado, porque foi igual a si próprio, não entrou no combate com pezinhos de lã, a pedir desculpa por existir, roendo as unhas da insegurança e defendendo-se do risco de fracasso.

Por outro lado, pela habitual reação de alguns oficiais do mesmo ofício, que lhe não perdoam a opção, não lhe aguentam o brilhantismo, não toleram a ousadia. Afinal por não serem capazes de arriscar seja o que for.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Dois livros interessantes que de alguma forma nos fazem pensar.

Carlos Moedas, “Liderar com as Pessoas” (Casa das Letras) e Rui Calafate, “10 Mandamentos da Política” (Oficina do Livro), escrevem com base na sua experiência sobre a liderança nas sociedades e em especial na área política, e sobre as regras do jogo e do combate político.

Ler estes testemunhos, aumenta a nossa capacidade de perceber e, por isso, de agir.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Os partidos de esquerda radical elegeram 13 deputados em 230 (5,6% do total) e receberam cerca de 700 000 votos.

No entanto 94% dos portugueses acham que o 25 de abril de 1974 foi importante para a democracia e 86% acham o mesmo do 25 de novembro de 1975.

E 56% achamos que o 25 de abril de 1974 teve mais coisas positivas do que negativas.

Como é evidente, 700 000 pessoas seriam muito mais do que suficientes para encher, sem os outros mais de 9 milhões, todas as manifestações que ocorreram.

Mas isso não justifica que a esquerda radical trate o 25 de abril e as manifestações como propriedade e excluam e até agridam quem ouse aparecer com bandeiras da IL, da JSD ou do ADN.

A pergunta é esta: é bom para o 25 de abril que a esquerda radical seja a dona do 25 de abril? E que pensam disso os 86% que, contra a esquerda radical, acham que o 25 de novembro foi importante para a democracia?

A LOUCURA MANSA

O Presidente do Governo de Espanha, Pedro Sanchez, entrou em greve (o eufemismo usado foi “parar e refletir”) durante 5 dias. A seguir voltou à atividade e prometeu luta contra quem o critica e contra a Justiça que está a investigar a mulher. Com isto espera mobilizar as tropas.

Curiosamente, haverá eleições na Catalunha em 12 de maio e europeias em 9 de junho, como sabemos.

Quem acha que isto foi uma jogada política contra os seus aliados independentistas não se engana. Quem acha que já está a preparar a rutura com eles e eleições legislativas antecipadas, deve estar certo.

Mas, mais do que tudo, isto é muito mau para Espanha.

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