expresso.ptRicardo Costa - 1 mai. 07:06

Sou rural… não sou de Lisboa, venho de Braga

Sou rural… não sou de Lisboa, venho de Braga

O Norte de Portugal, com a sua tenacidade, a sua força de vontade e a sua capacidade de trabalho, tem tanto a contribuir para a identidade nacional quanto Lisboa ou qualquer outra região

No cerne de uma nação que se orgulha da sua diversidade cultural e da riqueza das suas diferentes regiões, encontramos ainda, infelizmente, uma divisão latente, um preconceito enraizado que se reflete nas palavras recentemente proferidas pelo Presidente da República. Ao referir que o atual primeiro-ministro de Portugal possui “comportamentos rurais”, o chefe de Estado não apenas usa uma expressão que pode ser interpretada como pejorativa, mas também alimenta uma separação socioeconómica e cultural que há muito deveria estar ultrapassada.

Esta afirmação desencadeia uma série de reflexões sobre o modo como ainda percebemos as diferenças entre o urbano e o rural, especialmente entre Lisboa e as outras regiões do país. É preciso questionar: o que subentende a expressão “comportamentos rurais”? Por que essa característica seria vista como um demérito ou uma peculiaridade negativa num líder nacional? É uma maneira velada de insinuar que ser de fora de Lisboa é ser menos capaz, menos refinado ou menos apto para liderar?

Vindo de Braga, trago no meu ser a essência de um Portugal profundamente rico em história, cultura e valores. Em cada canto dessa cidade, em cada rua e praça, vive-se o legado de séculos que não se confina às fronteiras da capital. .

ELTON MONTEIRO

Política

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As palavras de Pedro Chagas Freitas, que afirma com orgulho ser rural, ecoam em muitos de nós que não nascemos nas “capelinhas do costume” de Lisboa. Há uma beleza na simplicidade e uma força no anonimato. Há dignidade no trabalho árduo e uma nobreza em não ceder às facilidades de um sistema que muitas vezes favorece mais o compadrio do que o mérito. Ser de Guimarães, de Braga ou de qualquer outro lugar que não a capital não diminui a nossa capacidade de contribuir para o país; pelo contrário, amplia a diversidade de perspetivas e fortalece a democracia.

O comentário do Presidente da República poderia ser interpretado como uma tentativa de desqualificar ou até mesmo de ridicularizar. Mas deveria servir, ao invés disso, como uma chamada à reflexão sobre como integramos todas as regiões de Portugal no projeto de uma nação unida e forte. Não é aceitável que, em pleno século XXI, ainda haja resquícios de um elitismo geográfico que se prostra perante a capital como se lá residisse toda a sabedoria e competência.

A verdadeira sabedoria reside em reconhecer que cada pedaço de Portugal, de Melgaço a Faro, de Viana do Castelo a Bragança, tem algo único e valioso a oferecer. Precisamos, como país, de superar os estigmas de um centralismo obsoleto que não faz jus à realidade atual de um Portugal plural e diversificado. A nossa força enquanto nação democrática e moderna emerge da nossa capacidade de valorizar cada cidadão, independentemente da sua origem geográfica.

Em vez de perpetuar divisões, devemos procurar a unidade e o reconhecimento mútuo. Cada região de Portugal, com as suas peculiaridades e características próprias, contribui de forma singular para o tecido social, económico e cultural do país. A riqueza de Portugal está na sua diversidade, e é essa diversidade que deve ser celebrada e não menosprezada.

Como bracarense, como português e, acima de tudo, como um cidadão consciente dos desafios que enfrentamos, repudio qualquer tentativa de diminuir os “rurais” ou qualquer outro grupo. O verdadeiro líder reconhece que o valor de um país está no seu povo, em todos eles, em cada história de vida que contribui para o grande país que é Portugal. É tempo de rejeitar as antigas narrativas de divisão e abraçar uma visão de futuro onde todos, de Norte a Sul, tenham voz e vez.

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