expresso.ptHenrique Burnay - 1 mai. 08:01

Interesse nacional e europeu

Interesse nacional e europeu

Os Estados membros não desaparecem por haver União Europeia. A UE pode, deve ser e é uma maneira de defender o que nos interessa

Luís Montenegro disse que em Junho vamos eleger os representantes de Portugal ao Parlamento Europeu e foi rapidamente acusado de ignorar que os deputados europeus não representam os portugueses, representam os cidadãos europeus. Que não são só nacionais, são, no nosso caso, os residentes em Portugal. A crítica é formalmente correcta, mas substancialmente errada. Juridicamente, os preciosistas têm razão. Politicamente, o Primeiro Ministro é que tem.

Também é verdade que os Comissários europeus não representam os Estados de onde vêm. Pois não. Mas na prática são um olhar nacional sobre as propostas da Comissão Europeia. E é por isso que faz tanta falta haver um por Estado membro. Mesmo que um dia sejamos 35.

A ideia de que existe um interesse europeu que se sobrepõe aos interesses nacionais é um sonho, uma utopia, o que deveria ser, uma ficção, um equilíbrio delicado, uma enorme ingenuidade, um atentado à soberania ou uma tragédia, conforme o que se pense sobre o que é e o que deve ser a União Europeia. Essa, por si só, é uma boa discussão a ter. Pode haver quem ache que os ministros portugueses e os deputados europeus portugueses devem ser favoráveis ao que seja prejudicial a Portugal se for do interesse Europeu, imaginando que a questão se coloca, em abstracto. Mas o mais comum é exactamente o contrário.

Dos ministros sentados nas reuniões de conselhos de ministros sectoriais, aos Chefes de Estado e de Governo da União Europeia, reunidos no Conselho Europeu, passando pelos deputados no Parlamento Europeu, o critério de decisão mais frequente é a sua interpretação do interesse nacional. Que, felizmente, tende a coincidir com a sua interpretação do interesse europeu. Caso contrário, se houvesse uma contradição frequente, a própria razão de ser da União Europeia seria questionável.

Em Bruxelas – como se costuma dizer – tomam-se decisões que importam a 27 países com realidades substancialmente diferentes. Naturalmente, quem as toma sabe que tem de ceder aqui e ali para conseguir o que considera mais importante noutro lugar. Mas ninguém, ou quase, o faz deixando de pensar em termos nacionais. Basta ver como, quando há questões fundamentais para um determinado país, os deputados europeus de uma nacionalidade frequentemente divergem dos seus grupos políticos e convergem com os adversários ideológicos da mesma geografia. É o interesse nacional a funcionar.

A escolha das pastas do Comissário Breton; a indicação alemã de que apoiará uma presidente da Comissão alemã, mesmo que não seja do partido do governo; a convergência de votos de deputados de diferentes partidos alemães e franceses com os respetivos governos a propósito dos temas energéticos; a consistência do sentido de voto dos diferentes países no Conselho, mesmo quando mudam os governos; as reuniões que os Comissários europeus t��m com representantes de interesses nacionais e a frequência das suas visitas ao seu país de origem, são um bom exemplo e uma boa prova de como a maioria dos decisores políticos europeus continua a ser um político nacional na União Europeia e a ver a União Europeia como uma expressão e na perspectiva do interesse nacional. E é a convergência das coisas, o interesse nacional e europeu, que sustenta a União Europeia.

Se até às eleições de dia 9 de Junho conseguíssemos pensar sobre quais são os interesses de Portugal na União Europeia, para lá dos fundos, já teria sido um sucesso. Sem ingenuidade, pequenez ou megalomania.

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