expresso.ptHenrique Raposo - 2 mai. 22:57

Reparação

Reparação

Entre um escritor branco com origem na burguesia da cidade e um escritor com origem mulatas e suburbanas, é óbvio que sou mais parecido com o segundo

Ele é mulato e cabo-verdiano, eu sou branquelas, português e tenho óbvio sangue germânico, cortesia das invasões francesas ou da ocupação britânica. Apesar desta diferença pictórica, aquele crioulo e este branquíssimo hessiano partilham o que interessa: crescemos nos mesmos bairros junto ao Tejo entre Moscavide e Vialonga e numa época em que aquela zona já não tinha a ruralidade neorrealista dos “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes; era mais um cenário apocalíptico à Atwood ou Ballard, com um Trancão nauseabundo e com um desterro industrial na zona oriental (a futura Expo e o futuro parque do Rock in Rio). Mas nós brincávamos ali naqueles pântanos radioativos onde os juncos se misturavam com os canos brancos de PVC; para chegarmos à margem norte do Tejo tínhamos de atravessar linhas de comboio e contentores, tínhamos de passar por baixo da A1 através de valas e caboucos que só nós conhecíamos e tínhamos ainda de atravessar lixeiras, bairros hostis e fábricas. Julgo, porém, que éramos felizes, pois gozávamos de uma liberdade física que hoje em dia as crianças não têm. Ele descreveu este mundo no romance “A Verdade de Chindo Luz”, eu fiz o mesmo no meu romance “As Três Mortes de Lucas Andrade”.

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