Ricardo Araújo Pereira - 2 mai. 22:57
O amor é extremamente belo, não é?
O amor é extremamente belo, não é?
Sofro como mais ninguém, porque a falta de amor é uma janela partida num terceiro andar com vista para lugar nenhum. Essa é que é essa
Tenho andado com a sensação estranha de estar metido numa peça de Molière. Assim como o monsieur Jourdain ficou surpreendido por descobrir que falava em prosa, eu vou ficando perplexo com a quantidade de gente que fala em prosa poética. Não sei o que se passa. Vai por aí grande inclinação para o sentimentalismo. A forma mais comum consiste em exibir uma delicada mas fulgurante sensibilidade. Normalmente, o exibicionista comove-se com coisas pequenas. Toda a gente consegue comover-se com coisas grandes. Mas emocionar-se com as pequenas coisas só está ao alcance de pessoas mesmo muito sensíveis. Para o contraste ser mais evidente, não só aquilo que emociona é pequeno como a emoção é enorme. Em geral, o que é quase insignificante não se limita a emocionar o exibicionista: salva-o. Uma pesquisa rápida no Google devolve vários documentos de salvações que ocorrem a toda a hora: “Esta música salvou-me”, “O meu trabalho salvou-me”, “Aquele filme salvou-me”, “O pingue-pongue salvou-me”, “O humor salvou-me”, e até “Ser despedido salvou-me”, ou mesmo “Ter cancro salvou-me”. Mais raro é o verbo salvar aparecer ligado a ocorrências em que a salvação não foi meramente metafórica, como na frase “Eu estava encurralado na varanda daquele prédio em chamas e um bombeiro salvou-me.” Mais depressa o exibicionista é salvo por uma canção sobre um bombeiro do que por um bombeiro.
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