www.publico.pt[email protected] - 3 mai. 11:20

Saúde: mudar a conclusão para manter o princípio

Saúde: mudar a conclusão para manter o princípio

A liderança deve construir parcerias robustas que envolvam partidos da oposição, organizações não governamentais, o setor privado e social, sindicatos e ordens profissionais, entre outros.

Conta-se que, numa sessão particularmente difícil, quando acusado por um membro do parlamento de ser "contraditório", Churchill rapidamente retorquiu com uma das típicas respostas espirituosas: "Eu sou consistente. A única coisa que muda é minha conclusão." Churchill era sólido e consistente nos valores essenciais, mas entendia que a política o obrigava a manter a flexibilidade necessária para alcançar consensos. Sabia que “mudar a conclusão” pode ser uma parte essencial do processo político, desde que isso o não desviasse do princípio em que não abdicava de ser consistente.

A importância de criar condições políticas para a implementação de reformas é um tema crucial no desenvolvimento de políticas públicas eficazes e na transformação social e económica de um país. Um dos aspetos centrais para a realização de reformas significativas é a existência de um ambiente político propício, que muitas vezes é tão ou mais importante que o próprio conteúdo das reformas.

O Governo prepara-se para apresentar um plano de emergência para a saúde e não temos dúvidas sobre a craveira e a capacidade daqueles que o estão a lavrar. Mas também sabemos que não existem “balas de prata” e que não se resolvem em poucos dias os problemas que se foram avolumando ao longo de anos.

Ter um plano é fundamental, mas ele de nada serve se não formos capazes de o implementar de forma consistente numa perspetiva de médio e longo prazo. Nos últimos anos não faltaram planos para a saúde. Grupos de trabalho, estruturas de missão, unidade especiais, todas com o objetivo de transformar a prestação de cuidados no Serviço Nacional de Saude.

Todas esbarraram em três aspetos essenciais: falta de consenso político/falta de continuidade na implementação; problemas de comunicação; e subjugação da saúde a outras dimensões da governação. São estes os erros que não podemos cometer de novo.

Em primeiro lugar, é fundamental que exista uma ampla concordância sobre os benefícios e os contornos gerais do que deve ser feito. Essa consensualização deve envolver diversos atores sociais e políticos, refletindo a maturidade do debate público sobre o tema. A liderança deve trabalhar para construir parcerias robustas que transcendam as divisões partidárias habituais, envolvendo uma gama diversificada de “partes interessadas”, incluindo partidos da oposição, organizações não governamentais, o setor privado e social, sindicatos e ordens profissionais, entre outras organizações. O consenso garantirá a continuidade, no sentido em que esse compromisso possa transcender os normais ciclos eleitorais.

A comunicação eficaz também desempenha um papel vital. É necessário que os líderes expliquem clara e convincentemente à população, como as reformas irão beneficiá-las diretamente. Há uns anos, tive uma longa conversa com o Dr. Albino Aroso a propósito da reforma de saúde materno-infantil dos anos 80/90 (de que ele foi um dos grandes obreiros). Contou-me que durante esses anos ia ele próprio as cidades e vilas de todo o país, explicar às pessoas por que razão queriam fechar a maternidade local. Fecharam 150 maternidades – com os resultados que se conhecem ao nível na mortalidade materna e infantil – sem contestação de maior. É fundamental que as estratégias de comunicação sejam inclusivas e acessíveis, desmistificando as reformas propostas e destacando os seus impactos positivos no quotidiano das pessoas.

É essencial que a saúde seja vista como um investimento necessário e estratégico, central para o desenvolvimento nacional

Por último, importa dizer que o investimento não pode continuar a ser condicionado por razões meramente orçamentais. O setor da saúde é fundamental em todas as políticas públicas, desempenhando um papel vital não só na qualidade de vida da população, mas também como eixo central na governação de um país. Investir em saúde é investir de forma custo-efetiva, prevenindo despesas futuras significativas em tratamentos e perdas de produtividade laboral devido a doenças. Este investimento não deve ser limitado pela área das finanças, sob o risco de essa ação se tornar contraproducente para o país como um todo.

A saúde deve, portanto, ocupar uma posição determinante nas decisões políticas, integrando-se com outras áreas como a educação, o ambiente e as infraestruturas. Cortes financeiros neste setor são não só economicamente desaconselháveis como prejudiciais ao bem-estar da população e à sustentabilidade do país a longo prazo. É essencial que a saúde seja vista como um investimento necessário e estratégico, central para o desenvolvimento nacional.

O princípio é absolutamente claro: garantir o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde, com elevada qualidade e de forma atempada. Importa agora que tenhamos todos a disponibilidade para colocar as nossas “conclusões” em perspetiva e que saibamos construir os consensos de que a Saúde dos portugueses precisa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

NewsItem [
pubDate=2024-05-03 12:20:51.0
, url=https://www.publico.pt/2024/05/03/opiniao/opiniao/saude-mudar-conclusao-manter-principio-2089068
, host=www.publico.pt
, wordCount=756
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_05_03_1600112748_saude-mudar-a-conclusao-para-manter-o-principio
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]