sol.sapo.ptJoana Andrade - 3 mai. 13:26

Um debate quase sempre inconclusivo

Um debate quase sempre inconclusivo

A atual guerra na Europa remeteu-nos para um nível de preocupação e receios que pareciam impossíveis de renascerem neste nosso tempo.

O amplo debate sobre os temas da segurança e defesa europeia e o lugar que devem ocupar no seio da União Europeia (UE) tem décadas.  Quase sempre inconclusivo. Em teoria podemos ter sempre uma visão ideal e pensar numa UE verdadeiramente integrada, democrática, pujante e cooperante em todos os domínios políticos, económicos e das novas tecnologias no Sistema Internacional e ainda dotada de uma estrutura de segurança e defesa credível no espaço europeu e internacional. Os líderes da UE estão conscientes de que nenhum Estado-Membro pode enfrentar de forma isolada as atuais ameaças à segurança. Já a anterior Chanceler alemã Angela Merkel afirmava no seu discurso ao Parlamento Europeu em novembro de 2018 que: “devemos trabalhar na visão de um dia criar um exército europeu adequado.”

A ideia de uma estrutura militar de defesa europeia não é nova na história da Europa. O primeiro esforço conduz-nos à frustrada tentativa de constituição de uma Comunidade Europeia de Defesa, (CDE) em 1952. Era objetivo central fazer participar a então Republica Federal Alemã na defesa e segurança europeia. Esta proposta foi vetada pela Assembleia Nacional Francesa e por De Gaulle. A União da Europa Ocidental (UEO), criada inicialmente em 1948, e formalmente estabelecida em23 de Outubro de 1954, através de uma modificação do Tratado de Bruxelas, esteve em estado de letargia longos anos após a sua criação (durante praticamente todo o período da Guerra Fria).  Só no período final da sua existência esta organização assumiria um papel relevante como “suporte institucional para a intervenção autónoma em operações de gestão de crises e em missões humanitárias” – as conhecidas “missões de Petersberg.” Foi extinta em 2011 e parte dos seus instrumentos principais integrados na União Europeia. Era uma organização constituída por 28 países com formas de participação diferenciada.

A guerra na Ucrânia veio confirmar amplamente as debilidades da UE no seu conjunto e dos Estados-Membros nas questões de segurança e defesa (nomeadamente nas capacidades militares). Até mesmo a Alemanha e o Reino Unido (agora fora da União) não escaparam a esta fragilidade. Este foi um alerta geral transversal em toda a Europa. A NATO saiu no entanto reforçada em todas as vertentes,  até com a adesão de mais Estados, e assume agora um protagonismo único. Protagonismo  esse que esteva ausente durante muito tempo no Sistema Internacional como nos lembramos. Este renascimento operacional  da NATO muito em face das ameaças expansionistas russas, obrigou os Estados europeus a reequacionarem a desejável e necessária contribuição para as políticas de defesa. Uns mais do que outros.

Mas nesta estratégia de vasos comunicantes a União Europeia deixou aparentemente de ter preocupações com cenários, conceitos, estratégias e desafios neste âmbito. Remeteu-se à navegação à vista e ao sabor das estratégias políticas e diplomáticas das suas maiores potências, também elas muitas vezes ziguezagueantes. Basta atentarmos para as declarações diversas e por vezes controversas do Presidente francês Emmanuel Macron, de algumas posições expressas pelo Chanceler alemão Olaf Scholz, do Primeiro-Ministro húngaro Viktor Orbán ou até mais recentemente do Presidente Polaco Andrzej Sebastian Duda sobre a temática das armas nucleares. E claro do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que também ocupa o cargo de Vice-Presidente da Comissão Europeia, Joseph Borrell.

Não há uma estratégia política da União Europeia, clara, afirmada e reconhecida, que englobe a segurança e defesa. Como aliás não há verdadeiramente uma política europeia externa afirmada e com peso efetivo no sistema internacional. E decorrente de tudo isto, não há uma doutrina de defesa na EU. Na prática em tempos de conflito ou guerras, a NATO tem-se consagrado como o elemento potenciador da estratégia de defesa na Europa. E logo redutora de qualquer ação autónoma nesta matéria das iniciativas da UE. Mas claramente o que está em causa é a não existência de uma vontade política consolidada e de âmbito estratégico dos Estados-Membros (na sua grande maioria) para considerarem qualquer hipótese ou cenário de atuação a curto e médio prazo. As divergências e  os interesses dos Estados-Membros são neste campo muito evidentes. E o futuro e previsível alargamento da UE a outros Estados, provavelmente adensará esta situação. Por outro lado não é possível haver uma estratégia de defesa militar europeia coerente sem o Reino Unido. Em alternativa poderão sempre surgir acordos bilaterais ou multilaterais e até coligações fora do âmbito mais estrito da UE para participação em ações militares específicas. Como sempre lideradas pelas principais potências europeias.

É no entanto necessário ressaltar que importa dar corpo a um espaço de segurança e defesa coerente e dinâmico, projetada para a cooperação e ação militar entre Estados-Membros. O modelo que já existe no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) criada pelo Tratado de Lisboa em 2009, é parte integrante da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da UE. Este mecanismo permite aos países da União “desenvolver uma cultura estratégica europeia de segurança e defesa, abordar os conflitos e as crises em conjunto, proteger a União e os seus cidadãos e reforçar a paz e a segurança internacionais”.

Neste âmbito falamos apenas de missões e operações civis e militares no estrangeiro, nomeadamente nos seguintes domínios: prevenção de conflitos, manutenção da paz, operações conjuntas de desarmamento, aconselhamento militar, ajuda humanitária e estabilização pós-conflito. Mas com o que estamos atualmente confrontados é com cenários mais amplos de guerra e conflito, e de uma realidade de segurança agora e no futuro no próprio espaço europeu. E isso faz toda a diferença.

Por sua vez a guerra entre Israel e o Hamas e o conflito na Palestina, dividem a Europa. Sempre dividiram. E vão continuar a dividir por décadas. A Europa sem participar diretamente neste conflito é sempre muito atingida pelas fraturas, dissensões e emotividade que o mesmo acarreta. O recente ataque de mísseis e drones do Irão a Israel em 13 de Abril, que originou uma coligação defensiva, onde alguns países europeus participaram (Reino Unido e França em parceria com os EUA e países árabes da região) veio demonstrar nesta e em muitas outras ações políticas, diplomáticas e militares na região, que a União Europeia está ausente de toda e qualquer estratégia neste âmbito. Têm sido os países de forma individual e muito dependentes da sua estratégia e interesse regional próprio a assumir a presença europeia.

Por fim e quanto à questão de Taiwan, ninguém imagina, mesmo em cenário conjuntural, numa Europa empenhada direta ou indiretamente em futuros desenvolvimentos deste possível conflito. Qualquer que seja o desenlace que daí possa advir. Contudo tal como os europeus por norma têm esperado pelos EUA, para a resolução das suas principais confrontações e ameaças, muitas delas em teatro europeu, como justificar a ausência de comprometimentos europeus em diferentes níveis, num sempre indesejado conflito de proporções globalizadas?

Coronel e especialista em geopolítica energética
Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn

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