visao.ptsvicente - 11 set. 18:00

Visão | União ou precipício? Editorial de Rui Tavares Guedes

Visão | União ou precipício? Editorial de Rui Tavares Guedes

Concorde-se ou não com todo o plano de Mario Draghi, parece evidente que a Europa só poderá ser mais competitiva se for mais unida, mais coesa e, acima de tudo, mais solidária

Após meses de suspense, reforçado ainda com um adiamento por causa das eleições europeias, Mario Draghi apresentou finalmente o seu relatório sobre o futuro da União Europeia, uma reflexão mais do que justificada, numa era de grandes tensões e de mudanças para o mundo. Em cerca de 400 páginas, em que a palavra competitividade é repetida 728 vezes, o homem que ganhou créditos por ter resolvido duas missões quase impossíveis – salvar o euro após a crise financeira e estabilizar a economia italiana ao fim de décadas de convulsões – não poupou na tinta ao procurar retratar a ameaça que paira sobre a Europa, face aos avanços e ao poderio dos gigantes EUA e China. E soube ser também certeiro nas palavras. A Europa está perante “um desafio existencial”, declarou. E avisou que a única maneira de sobreviver é “tornarmo-nos mais produtivos, preservando os nossos valores de equidade e inclusão social”. Numa frase: “A Europa precisa de mudar radicalmente.”

É difícil não concordar com o diagnóstico de Mario Draghi. Basta ter observado, com um mínimo de objetividade, como o mundo foi evoluindo para se chegar à conclusão de como foi errada a tripla dependência a que a Europa se entregou no início deste século: dependência energética da Rússia (com a honrosa exceção da Península Ibérica!), dependência militar dos EUA e dependência industrial e manufatureira da China. Em qualquer uma dessas opções prevaleceu a lógica do lucro imediato – através da compra a custos menores ou até do usufruto sem necessidade de investimento avultado –, em vez de estratégias orientadas para o longo prazo e imunes a qualquer sobressalto geopolítico ou crise económica.

Chegou, portanto, o momento de mudar. De saber aproveitar o conhecimento que a Europa sempre soube gerar, ao longo de séculos, e fazer tudo para não cair na desorientação e, pior do que isso, na insignificância face aos gigantes já consolidados e aos outros que se estão a formar.

Mas se ninguém consegue discordar abertamente do diagnóstico de Draghi, já algumas das soluções que apresenta mereceram rapidamente o repúdio de vários setores. Em especial, nos países onde mais se sente a crise da indústria europeia, como é o caso da Alemanha. Não só porque a crítica lhes feriu o orgulho, mas sobretudo porque Draghi propõe um plano de investimento colossal, da ordem dos 8 mil milhões de euros anuais – o dobro do Plano Marshall do pós-guerra –, financiado através da emissão regular de dívida conjunta, que deixou muitos políticos alemães em choque.

, ou seja: se souber funcionar como um verdadeiro bloco, em que as melhores ideias podem ganhar espaço para se desenvolverem, em cooperação estratégica, num mercado alargado, com gastos e benefícios conjuntos.

Numa era em que os partidos eurocéticos vão ganhando espaço eleitoral, e em que as ideias dos populistas, contrárias à equidade e justiça económica e social, contaminam cada vez mais partidos do centro, é mais do que oportuno poder ter à disposição um relatório que nos indica que, afinal, a União Europeia pode estar à beira do precipício. E que só sobreviverá, com os valores e o progresso social que a caracterizou, se souber aprofundar a sua coesão. Até porque o abismo pode estar mais próximo do que muitos pensavam.

E, no entanto, ela voa

Há mais de trinta anos que andamos a discutir a privatização da TAP. Já o fizemos em épocas propícias a bons negócios, mas também em períodos de crise, em que o valor da transportadora se tornou insignificante. Pelo meio, fomos tendo as mais diversas estratégias, que tão depressa passaram por uma aposta nas rotas para o Oriente (antes da entrega de Macau à China) como para um recuo que pretendia transformar a companhia numa “transportadora regional”, até se ter aproveitado, finalmente, a potencialidade geográfica do hub de Lisboa e apostar-se, com bons resultados, nos fluxos transatlânticos. No meio de tantos momentos de confusão e de desvarios, a verdade é que a TAP continua a ser uma grande empresa portuguesa, fundamental para a economia. Deveria ser também relevante para a autoestima coletiva. Um fator de união e não de desunião, como infelizmente tem acontecido.

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