[email protected] - 12 set. 06:38
Mulher: liberdade para escolher
Mulher: liberdade para escolher
O número de deputadas tem vindo a baixar, tem diminuído o comentário político televisivo feminino e nas autarquias os números também não correspondem às quotas (sou manifestamente contra).
“A desigualdade entre géneros é muitas vezes vista como um problema de ‘igualdade de resultados’, o que não só considero errado, como a sua promoção é indutora de injustiças, quer para homens, quer para mulheres. Poder escolher e percorrer os sonhos de vida sem culpa, sem obrigatoriedades e com escolha. Mas esse não é o mundo em que vivemos. Entre distorções e preconceitos, há regras de jogo viciadas. Mais do que a lei, é a vivência da lei e da prática, da implicação dos nossos atos e omissões e do que queremos (e fazemos), de facto, como pessoas e como sociedade.”
No mercado de trabalho, a maternidade implica desafios acrescidos. Mas há muitos mais temas a abordar. Por exemplo, uma cultura e legislação laboral mais flexível, em que seja mais fácil sair de um emprego e reentrar no mercado de trabalho, ter diferentes tipos de modelos de trabalho sem que isso penalize uma carreira inteira. Atente-se que nem sequer podemos dizer que a lei protege a maternidade na sua plenitude: se é verdade que avanços foram feitos nos últimos anos, continua a haver uma desproteção nas mães profissionais liberais. Neste caso, na maior fragilidade da rede de segurança e mais dependentes de si próprias, não acolhem na legislação especificidades para a sua realidade, o que é motivo de ansiedade e desincentivo quer à maternidade, quer à emancipação ou à manutenção como profissionais liberais.
Também para este tema da (in)dependência e liberdade, o crescimento económico tem impacto: empregabilidade como oportunidade de escolha. “A existência de maior rotatividade e empregabilidade seria benéfica, não apenas na situação de maternidade, mas também como uma das maiores defesas para sair de relações laborais abusivas. A melhor defesa para o abuso é poder ir embora, é não ter relações demasiado dependentes.”
Depois vem também o moralismo e a hipocrisia. Os políticos acenam com quotas como solução, ou, diria antes, como desresponsabilização. Ter quotas para se aparecer nas fotografias ou como propaganda não conta. Na Assembleia da República, o número de mulheres deputadas tem vindo a baixar em duas sessões legislativas seguidas, tem diminuído o comentário político televisivo feminino e, se olharmos para as autarquias, os números também não correspondem às ditas quotas (quotas em relação às quais, por sinal, sou manifestamente contra).
Um dos maiores impactos na dificuldade do exercício efetivo de igualdade de oportunidades nas empresas e na política é na conjugação dos preconceitos de papéis com os mecanismos de socialização, tipicamente em grupos masculinos. Não é a socialização que é um problema, é a sua associação com a tomada de decisão informal e pouco transparente. “A flexibilidade, transparência dos processos de tomada de decisão, o formalismo, são aspetos que beneficiariam desde logo a ‘igualdade de oportunidades’.” Tudo isto, muito mais do que sobre “a lei”, é sobre “a prática”.
Estas reflexões fazem parte do meu contributo para o livro Reflexões sobre a Liberdade, Identidades e Famílias. Um livro improvável, com um traço comum entre todos: liberdade para com os projetos de vida de cada um. Um livro totalmente diverso nas características políticas, orientações ou profissões, com a total certeza que temos muitas discordâncias, mas também isso faz jus ao termo “liberdade” e “identidades” no plural.
Aceitei, com gosto, o repto da Susana Peralta. Escolhi o tema da liberdade para escolher e da igualdade de oportunidades que está em muitas formas condicionada assimetricamente para as mulheres. Falar sobre a liberdade de escolha também é falar do que não é, ou do que não há. Não é uma questão (apenas) sobre a lei, não é uma mulher a falar em nome das outras, e não é também uma questão de forçar a igualdade de resultados (o que é injusto quer para mulheres, quer para homens). O que é, sim, é uma visão construtiva e antipolítica de ressentimento e de polarização, numa defesa da liberdade de escolha, promoção de igualdade de oportunidades e de reflexão sobre o que se faz na informalidade e opacidade das decisões.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico