observador.ptObservador - 13 set. 00:13

Eis a regra na Defesa: preparar a Nação para o pior e esperar o melhor

Eis a regra na Defesa: preparar a Nação para o pior e esperar o melhor

Para Nuno Melo, que gosta muito de falar por “soundbites”, deixo aqui exemplos que podem ser assim entendidos, mas que contribuem para a mudança de mentalidade urgente que se necessita em Portugal.

Nos últimos dois anos, todo o cenário mundial se alterou e cada dia que passa, a situação de tensão tem vindo a acumular-se um pouco por todo o mundo. Dos Estados Unidos aguarda-se com elevada expectativa, um resultado eleitoral que, por si só, poderá pôr em causa, ou no mínimo colocar sob pressão a NATO e alguns dos fundamentos transatlânticos que moldaram a ordem internacional liberal vigente erigida no pós Segunda Guerra Mundial.

Por outro lado, a Rússia não dá mostras de desistir da sua política imperialista dizimando a Ucrânia, trazendo à memória cada vez mais lembranças dos longos tempos da Guerra Fria e manifestando uma ingerência cibernética crescente nos processos democráticos “ocidentais” para impor uma suposta nova “Nova Ordem Mundial”.

O Médio Oriente – é a prova viva do ditado judaico – não há nada tão mau que não possa ser pior.

Na China internamente o autoritarismo parece estar a aumentar e externamente até a UE começou a considerá-la um inimigo estratégico. E poderemos acrescentar Israel, o Hamas, o Hezbollah, os Houtis, o Irão, a Síria, a Líbia, a Turquia – a lista é extensa e, a Covid19 que alterou a vida tal como a conhecemos, com um impacto potencial, social, económico e político, que é difícil de avaliar e que ainda faz sentir os seus efeitos, mas que perante tudo isto mais parece ter sido uma brincadeira de crianças. Do vírus invisível passámos para a bomba-relógio percetível, o que obriga a Europa a ter que aprender rapidamente a falar a linguagem do poder, e não apenas confiar no “soft power.” A diplomacia não terá sucesso a não ser que seja secundada pela ação e o foco da batalha não pode ser a emoção mas sim a razão!

Com algumas honrosas exceções, a maioria dos políticos europeus são verdadeiros mestres em defender da boca para fora o reforço da defesa da Europa. Desde a definição de um ambicioso Objetivo Global Europeu em 1999, incluindo uma forte força de reação rápida com 60.000 homens, até rótulos extravagantes há muito esquecidos como a Iniciativa de Capacidade de Praga, a Iniciativa de Capacidade de Defesa ou Defesa Inteligente, os europeus na UE e na NATO não careceram de criatividade ao sublinhar a sua preparação para melhorar o seu escasso poder de fogo militar.

No entanto, mais de vinte anos depois, a Europa ainda não tem uma postura militar credível. Mesmo os choques externos como a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia em 2014 não levaram a Alemanha, a maior economia da Europa, a tomar medidas sérias no sentido da reconstrução das suas forças armadas canibalizadas, pelo contrário, ficou como se viu refém dos negócios com o Kremlin. Será que a guerra em grande escala de Moscovo contra a Ucrânia gerou um sentimento de urgência nas capitais europeias para tornar a defesa militar e a resiliência civil uma prioridade política de topo? A resposta é um “sim” direto para a Polónia, para os países bálticos e nórdicos, mas não tanto para a Alemanha e muito menos para outros países europeus. Aparentemente, os europeus precisam de um perturbador ainda mais poderoso do que uma guerra brutal no seu bairro: será Trump esse perturbador? A perspetiva negra de não poder contar com o apoio de segurança dos EUA poderá tirar os europeus da sua zona de conforto e fazê-los investir seriamente na defesa? Talvez, ou no caso de Portugal, dificilmente!

Independentemente de Trump, os europeus devem fazer muito mais pela segurança da Europa, à medida que o centro de gravidade estratégico da América se desloca para o Indo-Pacífico. O problema é que isso levanta na Europa a questão a que os governos terão de encontrar resposta: se devem gastar mais na defesa, em que devem gastar menos? Esse diálogo é urgente que se faça na nossa sociedade, incluindo nos círculos da defesa. Contudo, não se trata apenas de gastos, aquisições e investimentos, nem apenas da meta mínima dos 2% do PIB, já muito ultrapassada nalguns países. É também sobre estruturas mentais. Coletivamente, os europeus não só confiaram a sua defesa aos Estados Unidos, como também abandonaram em grande parte o pensamento estratégico – no sentido de definir fins e escolher meios correspondentes adequados.

As reações ideológicas instintivas à mera noção de “autonomia estratégica” exemplificam isto – como se tudo o que se desejasse fosse uma “dependência não estratégica”. Tornar simplesmente nossos os interesses de aliados próximos – sejam os Estados Unidos ou a Ucrânia – em vez de os definir primeiro para nós próprios e depois persegui-los em conjunto onde se conjugam, também não é pensamento estratégico. Chamem-lhe o que quiserem, mas a Europa precisa de estar em condições de se defender e de fazer as suas próprias avaliações e escolhas. Os europeus devem finalmente “fazer alguma coisa” e tomar decisões difíceis que lhes permitam agir coletivamente. Para começar, deveriam decidir quem pode manter a Europa segura e comprometer-se com isso. Ao fazê-lo, podem tornar a defesa uma prioridade num momento em que ela é mais necessária. No entanto, devem também atrair a legitimidade dos cidadãos europeus para garantir que a defesa não só continua a ser uma prioridade, mas que é credível e eficaz. Contudo, em grande parte da Europa, com muitos outros desafios económicos e sociais, os cidadãos provavelmente ainda não encaram a defesa como uma verdadeira prioridade. Poucos candidatos nas últimas eleições para o Parlamento Europeu fizeram campanha baseada numa plataforma credível de segurança e defesa.

Diz-se frequentemente que uma boa estratégia implica a identificação de um pequeno número de prioridades reais e a concentração da atenção nas mesmas. A Europa deve dar prioridade ao aumento da produção de munições de artilharia, munições de defesa aérea, bem como mísseis e outros equipamentos e meios essenciais para sua defesa. Com o tempo, isto pode ser alargado para reforçar capacidades bélicas mais amplas, como unidades militares de escalão Corpo de Exército devidamente treinadas, bem equipadas e eficazmente comandadas, de dimensão adequada, apoiadas por meios aéreos, marítimos e cibernéticos ​​e as correspondentes componentes logísticas e espaciais. Infelizmente, estamos hoje muito longe desse objetivo, mas a menos e até que seja alcançado, a segurança europeia continuará dependente dos interesses conjunturais dos EUA

Portugal, como país membro da União Europeia (EU) e da NATO, não está imune a todas estas ameaças, o que torna crucial a mudança de abordagem na mentalidade coletiva sobre defesa. Ao contrário do que ainda recentemente o ministro da Defesa defendia de que as Forças Armadas são um mero instrumento de paz, afirmação que fez sentido enquanto isso era uma realidade na Europa, hoje, defendo que é importante abandonar a linguagem do pacifismo e da neutralidade em favor de uma maior consciencialização e preparação para a defesa nacional.

A neutralidade não é viável num mundo onde os interesses estratégicos se sobrepõem e onde a paz pode ser ameaçada repentinamente. As ameaças contemporâneas não são apenas militares; elas incluem ciberataques, terrorismo, desinformação, e mesmo investidas à infraestrutura crítica civil, o que exige que a população esteja disso consciente e perante tal realidade seja resiliente, que compreenda a importância da defesa nacional e esteja preparada para colaborar na mitigação de riscos.

Como membro da União Europeia e da NATO, Portugal tem obrigações internacionais em termos de defesa coletiva. A preparação e mentalização da população são essenciais para garantir que o país esteja à altura dos seus compromissos e possa contribuir eficazmente para a segurança regional e global. Só uma população mentalmente preparada para a defesa é mais capaz de resistir a crises, o que inclui a capacidade de ripostar a pressões externas, de mobilizar recursos em momentos de necessidade e de sustentar um esforço de defesa prolongado, se necessário. O pacifismo absoluto leva à complacência, enquanto uma mentalidade de defesa promove a vigilância e a prontidão. É ao governo e em particular ao ministro da Defesa que cabe promover e encorajar uma mentalidade de defesa entre a população que fortaleça o sentimento de identidade nacional e a disposição para proteger o que é essencial para a nação. Se um adversário perceber que um país está bem preparado e que a sua população está ciente dos riscos, isso desencoraja tentativas de agressão ou desestabilização, razão suficiente para que seja vital que a população compreenda as realidades das ameaças modernas e esteja preparada para contribuir para a defesa do país e para a manutenção da paz através da força e da dissuasão, quando necessário.

Esse esforço de mudança de mentalidade que o ministro da Defesa deve conduzir, implica até mudanças internas nas Forças Armadas. Por exemplo, a introdução por parte da anterior ministra de má memória socialista, de patéticas normas linguísticas que exigem atenção constante é um foco desnecessário em questões sociais, afeta a disciplina militar e a coesão da tropa, que são cruciais para a eficácia e prontidão militares.

A adaptação a novas formas de linguagem inclusiva cria complexidade e confusão, especialmente numa organização que depende de comunicação clara, concisa e direta. A necessidade de alterar manuais, instruções, e ordens para refletir uma linguagem neutra ou inclusiva pode conduzir a mal-entendidos e à necessidade de reescrever procedimentos, o que além de oneroso é pouco prático num ambiente onde a precisão e resposta rápida é essencial. Debaixo de fogo algum militar, homem ou mulher, estará preocupado com a linguagem ou com a sua própria sobrevivência no campo de batalha? O respeito pela diversidade ou a promoção da inclusão nunca esteve em causa nem foi um problema dentro das Forças Armadas pelo que dispensam estes moralismos “woke” de políticos “fake”. O Ministro da Defesa deve adotar uma comunicação estratégica que evidencie as realidades geopolíticas atuais e a importância da preparação para a resposta às ameaças que se possam materializar.

A afirmação de Nuno Melo de que faria tudo o que pudesse para que os seus filhos não fossem para a guerra reflete uma perspetiva pessoal, natural e compreensível como pai e como líder do CDS-PP. Muitos pais, independentemente da sua posição política, partilham o mesmo sentimento de proteger os seus filhos do perigo. Porém, ao mesmo tempo, a declaração do também ministro da Defesa, levanta uma reflexão sobre o papel dos líderes em tempos de conflito, onde é necessário um equilíbrio entre responsabilidade pública e valores familiares. Embora a paz seja sempre o objetivo principal, situações de guerra exigem que os países, por vezes, recorram ao sacrifício de vidas em nome da segurança nacional e isso é uma questão profundamente emotiva e complexa e sobretudo pessoal. Cada cidadão tem de ser capaz de lidar com este debate pessoal, de um lado o instinto natural de se proteger a si e aos seus entes queridos e do outro, o dever de proteger a nação. O debate público que emerge dessa dicotomia cabe ao ministro da Defesa impulsionar, pois reflete a complexidade da relação entre vida privada, sacrifício individual e responsabilidade pública em tempos de crise.

Para Nuno Melo, que gosta muito de falar por “soundbites”, deixo aqui alguns exemplos que podem ser assim entendidos, mas que contribuem para a mudança de mentalidade urgente que se necessita na sociedade portuguesa.

Sobre o reconhecimento da instabilidade global: “A Europa enfrenta hoje um ambiente geopolítico cada vez mais complexo e instável, onde a paz não pode ser tomada como garantida.”

Sobre ameaças reais e presentes: “Os recentes eventos na Ucrânia e outras regiões demonstram que a guerra na Europa não é uma coisa do passado, e as ameaças são reais e presentes.”

Sobre a importância da prevenção e da defesa: “Manter a paz exige preparação constante e um compromisso firme com a defesa nacional e coletiva.”

Sobre o compromisso internacional de Portugal: “O nosso país tem responsabilidades como membro da NATO e da UE na defesa dos valores que partilhamos com os nossos aliados.”

Sobre cidadania ativa e vigilante: “Cada cidadão tem um papel a desempenhar na segurança nacional, desde a resistência à desinformação até ao apoio às Forças Armadas Portuguesas.”

Sobre a incerteza do futuro: “O mundo é imprevisível, e devemos estar preparados para quaisquer desafios que possam surgir, garantindo a nossa segurança e a paz que tanto valorizamos.”

Sobre investimento em defesa como investimento em paz: “Investir nas nossas Forças Armadas é investir na paz e na segurança das próximas gerações.”

Sobre apelo ao dever e patriotismo: “Servir nas Forças Armadas é mais do que uma carreira, é um dever cívico. É a oportunidade de proteger a liberdade, a segurança e a soberania do nosso país.”

Sobre desenvolvimento pessoal e profissional: “Nas Forças Armadas, não só defendes o país, como também te desenvolves como pessoa e profissional. O teu futuro começa aqui!”

Sobre proteção de valores democráticos: “A nossa democracia e os nossos valores europeus de liberdade, justiça e paz precisam de soldados disponíveis para lutar por eles com todas as suas forças. Nas Forças Armadas, defendemos esses valores todos os dias!”

Sobre segurança nacional e futuro: “A segurança do nosso futuro depende da nossa capacidade de defesa hoje. As Forças Armadas são o pilar da Nação, a proteção das gerações futuras e o garante a paz para os teus filhos e netos.”

Ao comunicar estas mensagens de maneira clara e direta, o Ministro da Defesa pode ajudar a transformar a perceção pública, fortalecer o apoio às medidas de defesa e aumentar a resiliência nacional diante das ameaças contemporâneas. A par de medidas que aumentem os efetivos, o treino e o equipamento das Forças Armadas é também papel do ministro da Defesa preparar a Nação para o pior e esperar o melhor!

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