Joana Andrade - 13 set. 22:12
O elevador avariado
O elevador avariado
É necessário construir uma cultura de diálogo envolvendo docentes, auxiliares, alunos e pais.
O Governo vai agravar a moldura penal para agressões e ofensas a forças de segurança, professores e profissionais de educação e de saúde. O aumento de casos de violência nas escolas, em que o corpo docente é vítima de alunos e seus progenitores, constitui por si só uma boa razão para alterar a lei.
Estudos internacionais demonstram que a prevalência da violência nas escolas tem consequências adversas na qualidade da educação. Causa absentismo dos professores por stress profissional e burnout, reduz a eficiência do processo de ensino-aprendizagem e diminui a assiduidade dos alunos. Acresce que a preocupação dos professores com a segurança reduz a atratividade da profissão e aumenta o número dos que a abandonam, agravando o défice de docentes nas nossas escolas.
A escola pública já foi um santuário, onde as regras e o papel de cada grupo eram claras: tanto alunos como pais reconheciam a atividade docente e respeitavam a autoridade do professor. A relação era regulada pelo bom senso, embora coubesse aos conselhos diretivos a gestão das escolas e do acesso às instalações, bem como a definição dos códigos de conduta e das normas de disciplina. Para muitas crianças desfavorecidas, a escola era um espaço de proteção, conforto e tranquilidade, que compensava as insuficientes condições que encontravam em casa.
Por razões politicamente corretas, deixámos que a porta da escola se escancarasse aos pais. Muitos deles não admitem o insucesso dos filhos ou reconhecem o valor da disciplina e do respeito pela hierarquia. Assim, não educam os filhos nem deixam que a escola o faça.
Alterar a moldura penal, transformando a violência sobre professores em crime público, ajuda a refrear o comportamento dos pais. Até porque, por vergonha ou medo de retaliação, há professores que não reportam as situações de que são vítimas. Ora, esses casos devem, impreterivelmente, ser denunciados e acompanhados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens.
Perante isto, é necessário construir uma cultura de diálogo envolvendo docentes, auxiliares, alunos e pais. Uma cultura que revisite o papel da escola, promova a solidariedade, o respeito e o mérito e reprima a reincidência de comportamentos antissociais.
Por outro lado, o aumento da delinquência juvenil exige que haja um trabalho de prevenção, no qual a escola tem um papel fundamental. Hoje, entre os alunos, a javardice verbal é tolerada, os ‘gunas’ impõem códigos tribais, abundam os casos de bullying e cyberbullying. Todos estes problemas justificam que os telemóveis fiquem à porta da escola, o que também ajudará a melhorar a socialização e a promover a atenção e concentração nas aulas.
Infelizmente, qualquer tentativa de impor regras de convivência esbarra com críticas da opinião pública, que se esquece que na escola se devem adquirir, não só conhecimentos para acesso futuro ao mercado de trabalho, mas também valores de convivialidade, tolerância e respeito essenciais à vida em sociedade. Veja-se como foi censurada uma escola por impor regras básicas de vestuário, impedindo os alunos de envergarem nas aulas o que usam na praia. Até quem concebe a escola como um espaço de liberdade concordará que existe um paradoxo quando os adolescentes querem frequentar as aulas com havaianas e calções de banho, mas aceitam sem rebuço que lhes seja imposta indumentária adequada para aceder a locais de diversão noturna…
A educação é a chave de acesso à cidadania e a escola pública o único elevador social de que dispomos. Mas não funcionam com facilitismos. Se nos conformarmos com o statu quo, restará um elevador avariado, frequentado por jovens a quem recusamos um futuro.